SILVA, Luene Melo[1] Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Os plásticos do grego “Plastikós” relativo “as dobras do barro”, em latim transformou-se em “Plasticu”, significando “aquilo que pode ser moldado”, são comumente derivados de fontes petroquímicas; possuem propriedades e características de um material sintético polimérico, ou seja, são resultantes de processos químicos que permitem o agrupamento de moléculas pequenas, chamadas de nanômetros, que geram unidades repetitivas ou longas cadeias químicas que darão origem a tipos diferentes de plásticos, como polietileno, polipropileno e poliestireno (PIATTI e RODRIGUES, 2005).
A história da matéria plástica, sugere que os precursores da sua criação, como Alexandre Parkes em 1862 e John Wesley Hyatt em 1869, idealizavam a produção de um substituto para materiais de origem animal, que eram muito utilizados na fabricação dos produtos daquela época; como esta matéria prima estaria ficando escassa na natureza, ou inviabilizada para as produções em escala industrial, alguns materiais orgânicos derivados da celulose ou a base de nitrato de celulose foram descobertos e utilizados, o que, posteriormente, alavancaram os interesses por substitutos cada vez mais leves, duráveis e de baixo custo, garantindo sua utilização em diferentes segmentos industriais (ATLAS DO PLÁSTICO, 2020).
Esta prerrogativa despertou o químico industrial belgo-americano Leo Hendrik Baekeland em 1909, a produzir a sua invenção; ele foi o responsável pela criação da primeira resina sintética, denominada de baquilete, um plástico a prova de calor e com a grande propriedade de ser um isolante de eletricidade. A partir desta descoberta, a fabricação e uso do material plástico ocupou lugar de destaque em diversos seguimentos industriais, e não demorou muito para que novas formas de utilização de polímeros fossem aperfeiçoadas por pesquisadores, assim diversificando seus tipos (ATLAS DO PLÁSTICO, 2020).
Nesta ótica, é notável a viabilidade do produto plástico e, atualmente, uma ampla gama de produtos é composta por este material (utensílios domésticos, produtos escolares, calçados, embalagens domésticas, ferramentas e embalagens industriais, automóveis etc.), ou seja, o plástico deixou de ser uma novidade e passou a ser uma necessidade, sugerindo assim sua intrínseca inclusão em nosso cotidiano.
Por esta razão, o que muitas vezes não se leva em conta é que o plástico é controverso quanto a sua produção e descarte. Apesar dessas “vantagens” ou “benefícios” os problemas ambientais que são gerados através do grande acúmulo de descartes no meio ambiente são imensuráveis e, em poucos anos este material passou de “herói” para grande “vilão”.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em inglês, United Nations Environment Programme (UNEP), atualmente são gerados por ano aproximadamente 400 milhões de toneladas de resíduos plásticos; uma parte está depositada em aterros sanitários, enquanto a grande maioria são descartadas no ambiente terrestre e aquático, trazendo impactos negativos nos ecossistemas, na saúde humana e na vida selvagem (BENNET e ALEXANDRIDIS, 2021).
Observando o impacto negativo e sistêmico, cientistas e pesquisadores afirmam que os resíduos plásticos podem persistirem no meio ambiente por séculos, pois a maioria desses itens não desaparecem completamente eles apenas se fragmentam em pedaços menores, gerando os microplásticos.
Os microplásticos (MPs) são fragmentos menores do que 5mm (milímetros), gerados pelas diferentes degradações provocadas pelas ações das intempereis (mau tempo, chuvas, ventos), que por sua vez são divididos em duas categorias: microplásticos primários, derivados de petróleo encontrados em cosméticos e produtos de higiene; e microplásticos secundários, que são resultantes dos processos de degradação dos objetos plásticos maiores que utilizamos em nosso cotidiano, como pneus, fibras de roupas sintéticas, sacolas, garrafas PETs, telas de sombreamentos, redes de pesca. (HOELLEIN et al., 2017; AUTA et al., 2018).
Os microplásticos primários possuem em sua composição o polietileno (PE), polipropileno (PP), poli(tereftalato de etileno) (PET), poli(metil metacrilato) (PMMA), nylon (PA) e ceras microcristalinas. A maioria das pessoas desconhecem o grande acúmulo de plásticos presentes e ao mesmo tempo ocultos nesses produtos, e que após a sua utilização alcançam o ecossistema marinho através de sistemas de drenagem domésticos e industriais e estações de tratamento de águas residuais (TENDER et al., 2015; HOELLEIN et al., 2017; AUTA et al., 2018). Como alternativa segura e mais saudável, os cosméticos naturais fabricados através da utilização de pós de sementes, cascas de nozes, pós de flores, cloreto de sódio, sal marinho ou rosa, argila, cristais de quartzo, sacarose, farelo de arroz e ceras naturais, acabam sendo uma melhor escolha, pois pela naturalidade na composição podem trazer um maior compromisso a saúde humana e ao meio ambiente (FLOR, MAZIN e FERREIRA, 2019).
De acordo com o Parlamento Europeu (2018) estima-se que de 69% a 81% dos microplásticos encontrados no oceano possuem uma origem secundária; no ano de 2017 a Organização das Nações Unidas – ONU, divulgou que há uma incidência de 51 bilhões de partículas microplásticas nos mares. Em muitos casos essas pequenas partículas são confundidas com alimentos pelos animais marinhos que posteriormente pode acabar se acumulando nos seres humanos através da cadeia alimentar, há também uma grande preocupação ocasionada pela constante fragmentação dos MPs que podem gerar as microesferas, menores que 1 milímetro e os nanoplásticos ainda menores capazes de atravessar a pele humana (TOLEDO MARTÍNEZ, 2019).
De acordo com Harrison et al. (2014), ainda existe uma grande necessidade em identificar os microrganismos ou as substancias tóxicas que são capazes de colonizar as superfícies desses MPs, estes utilizam a superfície plástica e são transportados para longas distancias e diferentes ambientes, chegando aos humanos através da sua ingestão, inalação ou contato dérmico, o que pode provocar um grande perigo a saúde humana como inflamações intestinais, distúrbios na composição e metabolismo do microbioma intestinal.
Pesquisadores da universidade canadense British Columbia descobriram que “os humanos ingerem entre 39 mil e 52 mil partículas de microplástico por ano, dependendo da idade e do sexo. Se for levada em conta a inalação devido à poluição do ar, esse número sobe para entre 74 mil e 121 mil – o equivalente a mais de 320 partículas por dia”. Os pesquisadores alertam que as pessoas que bebem apenas água engarrafada pode chegar a “ingerir 90 mil partículas adicionais por ano em comparação com as 4 mil de quem consome somente água de torneira” (DW, 2019). Para os autores da pesquisa,
“A quantidade de plástico consumida por indivíduos depende em grande parte do local onde vivem e da dieta alimentar que seguem. Os efeitos da ingestão e respiração destas partículas são ainda desconhecidos, segundo o estudo, mas alguns pedaços são os suficientemente pequenos para entrar nos tecidos humanos onde podem desencadear respostas autoimunes ou liberar substâncias tóxicas. Os pesquisadores destacam ainda que são necessárias várias pesquisas para conhecer os impactos do microplástico para a saúde”. (DW, 2019)
Um estudo realizado por Valente et al. (2021) avaliou as propriedades nocivas dos microplásticos em relação a algumas células humanas e demostrou que o polietileno (PE) pode induzir a diminuição da viabilidade de células do intestino, o policloreto de polivinila (PVC) pode afetar e induzir a citotoxidade de células hepáticas, já o PE, PVC e nylon provocou efeitos negativos em células neuronais. Os autores ainda propõem um alerta para que se realize outros estudos que possibilitem investigar os efeitos de múltiplos MPs e suas consequências para a saúde humana, uma vez que estamos simultaneamente expostos a esses contaminantes em um ambiente real.
Apesar do impacto dos microplásticos sobre a saúde humana não ser totalmente conhecido, a sua ameaça ao meio ambiente alcança preocupações cada vez mais constantes. Shen et al. (2019) verificou que os MPs podem prejudicar as atividades fotossintéticas dos fitoplâncton (algas marinhas), pois as chamadas “neves” de microplásticos dos oceanos, impedem a passagem de luz o que dificulta a sua captação pelos fitoplanctons, vale ressaltar que estes organismos exercem uma grande e importante capacidade na produção de oxigênio.
A presença dessas microparticulas plásticas está alcançando ambientes inimagináveis, é possível encontrá-las em frutas como nas maçãs, legumes como cenoura e em hortaliças (CONTI, 2020); em conservas de sardinha, sal, cerveja, mel, açúcar, água mineral em garrafas (KARAMI et al., 2017; KOSUTH et al., 2018; MASON et al., 2018; SCHYMANSKI et al., 2018).
Recentemente um estudo conduzido por Reguza et al. (2021), obteve amostras de microplásticos presentes em placentas humanas, estas passam rapidamente pelos pulmões para os corações, cérebros e outros órgãos dos fetos, as mulheres grávidas que participaram do estudo relataram que não tiveram nenhum sintoma durante a gestação, os resultados desta pesquisa demostram que essas partículas microplásticas podem gerar efeitos no metabolismo e reprodução, desencadeando respostas imunes que poderá provocar danos a gravidez e no desenvolvimento do feto. Atualmente já foi detectado a presença dos MPs no sangue humano (LESLIE et al., 2022), essas partículas possuem a capacidade de se aderir as membranas externas dos glóbulos vermelhos e podem limitar sua capacidade de transportar oxigênio.
Por mais que seja necessário um estudo aprofundado sobre esta temática, propondo avaliar as consequências e efeitos nocivos do macro e do microplástico nos seres vivos e no meio ambiente, é preciso repensar e reduzir a utilização desses produtos plásticos em nosso dia a dia, desta forma podemos combater o desperdício e diminuição na geração de lixo que consequentemente aos poucos pode promover a desaceleração no agravo da poluição ambiental. Um dos principais pontos seria a mudança de pequenos hábitos como a substituição de sacolas plásticas, utensílios descartáveis, itens de higiene pessoal, embalagens plásticas, roupas sintéticas por outros mais sustentáveis e ecológicos, lembrando que novas atitudes geram novos exemplos.
[1] Graduanda do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus VIII. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1689320185974865
REFERENCIAS
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