CASTOR, Jocelmo Araújo[1]
NOGUEIRA, Eliane Maria de Souza [2]
Fundo de pasto é um sistema produtivo centrado na caprinocultura e ovinocultura, explorado por pequenos agricultores, em sua maioria homens, sendo um importante elemento para subsistência de famílias do semiárido brasileiro e para o desenvolvimento regional. Nas últimas décadas tem-se observado que o sistema de fundo de pasto está sendo abandonado e vem sendo substituído pela migração dos chefes de família para outras localidades em busca de emprego. Geralmente os homens se deslocam sozinhos, garantido a estabilidade financeira da família nas suas cidades de origem. Se, por um lado, fazem movimentar a economia local, por outro pode levar a uma desagregação da família, visto que, a mulher assume o papel atribuído ao pai, nas suas longas ausências, ocasionando um fenômeno aqui denominado de “viúvas de maridos vivos” e já conhecidas como “viúvas da seca”, termo utilizado pelo jornalista João Batista Oliveira, em 1983 (SILVA, s/d).
Tal realidade está associada aos fatores climáticos, sociais e culturais, pois, passam despercebidos devido a sua intensa ocorrência, e se naturalizando como uma paisagem do cotidiano. São elas que ficam na terra quando os homens partem em busca de uma vida melhor (Viúvas das secas, 1983).
Tal realidade está associada aos fatores climáticos, sociais e culturais, pois, passam despercebidos devido a sua intensa ocorrência, e se naturalizando como uma paisagem do cotidiano. São elas que ficam na terra quando os homens partem em busca de uma vida melhor (Viúvas das secas, 1983).
Os que partem geralmente são homens na idade produtiva, na perspectiva de conseguir um trabalho mais rentável comparado ao de origem, e na esperança de voltar ou de se estabilizar e mandar buscar a família, ou vir periodicamente, mandando dinheiro para o sustento da mesma. Isso gera outro fenômeno que merece uma outra abordagem e que está relacionado a invisibilidade da prática e da economia nas cidades de origem desses homens.
Assim, as práticas tradicionais vão sendo abandonadas, onde muitas famílias deixam momentaneamente de desenvolverem atividades como a pesca, as criações ao modo fundo de pasto, cultivadores de vazantes, práticas indígenas e até mesmo a única alternativa de sobrevivência, já que as atividades tradicionais do semiárido são amplamente atingidas pelas secas periódicas, gerando insegurança alimentar por longos períodos e outros impactos ambientais.
Também leva, por exemplo, ao declínio da produção agrícola, fragilidade na pesca artesanal, especialmente devido ao desvio das águas do rio São Francisco, principal rio perene do semiárido nordestino, para a construção de barragens, avanço imobiliário com redução dos espaços para o pastoreio coletivo. Desse modo, são muitos os motivos que pressionam o homem rural do semiárido a migrarem em busca de novas oportunidades.
A esse fenômeno de ausência do pai de família por muitos anos, já que muitos emendam contratos, denominou-se “as viúvas dos maridos vivos” e os homens que praticam essa forma social podem ser conhecidos como “ os trecheiros ou “homens do trecho”, que conforme a Enciclopédia Discursiva da Cidade (NUNES, s/d) é um termo de aparição recente, que substitui ou distingui de palavras como andarilho, migrante, dentre outros, não tendo o mesmo sentido do qual nos referimos, visto que são trabalhadores que saem de suas cidades e povoados para acompanhar empresas de construção civil ou são levados por atravessadores, já com garantia de emprego, embora entre 1950 até os anos 1990, viajar era sempre uma aventura incerta, por isso não se levava toda a família porque poderia ameaçar a vida dos aventureiro já que nada tinha de garantido.
Nesse contexto, a mulher desempenha um papel relevante, já que ela, a maior parte do tempo “sozinha”, gerencia a vida da família, trata dos afazeres domésticos, é mãe, educadora, economista, chefe de família, mesmo que tenha um parceiro. Ressalta-se que, mesmo vivenciando outra realidade econômica no país, onde os pobres melhoram as condições de vida, com os programas sociais governamentais, de distribuição de renda entre meados da década de 2000 até 2010, o fenômeno ocorreu, até com mais intensidade, visto que havia um mercado promissor de empregos. No entanto, nos últimos anos houve um declínio desse fenômeno, especialmente sobre a política adotada pela justiça, no âmbito da Lava Jato, que paralisou grandes empresas da construção civil responsável pela contratação de grande parte da mão de obra sertaneja nas diferentes regiões do país e outros países, assim como também a pandemia que paralisou o mundo e mexeu com a economia planetária de forma relevante.
Enfim, as mulheres sertanejas, “viúvas de maridos vivos”, também aparecem invisíveis, mas não significa que essa seja a realidade de todas as mulheres sertanejas, visto que elas, mesmo sofrendo preconceitos e tidas como matutas, tem um papel relevante na história brasileira e no seu cotidiano.
[1] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental - PPGEcoH, Universidade do Estado da Bahia – UNEB. [2] Docente do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental - PPGEcoH, Universidade do Estado da Bahia – UNEB. E-mail: emsnogueira@gmail.com.
REFERÊNCIAS
NUNES, JOSÉ HORTA. Trecheiro. Disponível em https://www.labeurb.unicamp.br/endici/index.php?r=verbete%2Fview&id=35. Acesso em: 03 de nov de 2021.
reportebrasil.org.br. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/comunidadestradicionais/fundo-e-fecho-de-pasto-da-bahia/. Acesso em; 03 de nov.de 2021
SANTOS, G. et al. Gênero e Economia Solidária: as mulheres rumo à IV plenária da economia solidária. In: Fórum Brasileiro de Economia Solidária,2007, [S. l.]. Caderno de aprofundamento aos debates. [S. l.], 2007.
SILVA, U. M. Q. Víúvas da seca: a relação de gênero no sertão. X Encontro Estadual ANPUH-PE- História e contemporaneidade: articulando espaços, construindo conhecimento. Disponível em: http://snh2013.anpuh.org/resources/anais/35/1401422518_ARQUIVO_VIUVASDASECA-ASRELACOESDEGENERONOSERTAO.pdf. Acesso em: 03 de nov. de 2021.